segunda-feira, julho 10, 2006

Blogs, Bebés de Direitos da Criança

(artigo)


Blogs, Bebés e Direitos da Criança

Agora que está tão em voga o Plano Tecnológico do nosso Governo, em que todos os dias novas medidas no campo da tecnologia e informática são anunciadas, deveria ser pensado que consequências tais facilidades desse novo, e maravilhoso, mundo virtual, podem advir.

Proliferam aos milhares os blogs de pais babados, que desde o dia da concepção até… – não se sabe quando (provavelmente até ao dia em que os seus filhos cresçam e os condenem por tal) – publicam tudo o que se passa com eles – relatos, fotos, vídeos, o que fazem e o que não fazem, sorrisos e birras, alegrias e tropelias, a vida [e até a morte] – como se de troféus se tratasse. Porque não está ali qualquer acção originária dos bebés e crianças, mas apenas as ideias e opções dos seus pais, muitas vezes escondidas no anonimato, ou sob pseudónimos ou identidades falsas.

As imagens e as mensagens que passam em cada “post”, essas sim, são reais, bem expressivas das realidades de cada criança, quase sempre publicadas sem qualquer companhia, e responsabilização, adulta. E podem ser copiadas, usadas e abusadas por qualquer outra pessoa com qualquer outro tipo de intenções.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, no seu artigo 16º diz que a criança tem direito à Privacidade, à Honra e à Reputação.

Não estarão a ser violados os direitos das crianças, pelos próprios pais e familiares, nestas novas publicações?

Gostariam os pais destas crianças de verem os seus primeiros anos de vida expostos a quem tal desejasse?

Estarão os pais destas crianças dispostos a “apagar” estes blogs quando as suas crianças crescerem e assim o desejarem, depois da rede de relações – virtuais – que se criam durante anos de publicação?

Como vão eles um dia dizer aos seus filhos, já com ideias próprias, que todos têm, ou tiveram, acesso a toda a vida deles, desde que foram gerados?

Gostamos todos de recordar vidas cheias de sucessos, mas também todos gostamos de esquecer vidas menos bem sucedidas. E quantos destes blogs publicam essas vidas!

Quem defende estas crianças?!...

Sá Lopes

10 de Julho de 2006

terça-feira, julho 04, 2006

Metacognição: Pensar sobre o Pensamento

(artigo recuperado)

Metacognição: Pensar sobre o Pensamento

O ser humano não é como um brinquedo electrónico pré-programado para interagir com quem o vai usar e desenvolvendo-se conforme seja manipulado, com a condição de, se esse desenvolvimento não acontecer conforme o desejo do manipulador, poder ser reiniciado. O ser humano não possuí uma tecla a dizer “reset” que se possa premir para começar tudo de novo.

Apesar de todos os indivíduos possuírem naturalmente estruturas e faculdades físicas e mentais que lhes oferecem condições para terem uma vida inteligente, consciente, racional, auto-regulada, e de respeito para com os outros e tudo o que os rodeia, usando toda a liberdade desejada a par da responsabilidade exigida, poucos são os que fazem um uso inteligente e eficiente dessas características, pois a grande parte não reconhece a existência das mesmas, porque não pensa sobre elas.

A metacognição - -processo cognitivo que se aplica a si próprio, ou seja, o pensar sobre o pensamento - - encontra-se num crescendo reconhecido como aspecto fundamental da psicologia humana, definindo-se pelos seguintes atributos: o conhecimento que o individuo tem dos seus próprios processos cognitivos; a tomada de consciência desses processos; e o controlo que o indivíduo tem dos seus próprios processos mentais.

Iniciando-se na década de setenta e apoiando-se inicialmente nas teorias do processamento de informação, a metacognição surge na corrente cognitivista positivista, fomentando a importância do reconhecimento dos processos cognitivos, não só no que respeita ao processo em si, que possibilita um uso mais adequado das capacidades de percepção, atenção, memorização e compreensão, permitindo uma maior auto-regulação, mas também no que respeita à aplicação eficiente do mesmo, desempenhando um papel importante em áreas fundamentais como a aprendizagem escolar, a comunicação oral e escrita, a produção escrita, o desempenho de tarefas, e a resolução de problemas de ordem social, interpessoal e emocional.

A metacognição expande-se no mundo científico essencialmente devido aos elaborados programas educacionais que actuam no sentido de permitir ensinar a pensar, ou aprender a aprender, tentando fazer com que o indivíduo conheça os seus próprios processos cognitivos, que tome consciência deles, e que tenha o maior domínio mental possível sobre os mesmos, e tendo consequentemente uma maior auto-regulação emocional e comportamental.

Se estes programas funcionassem efectivamente poder-se-ia considerar a sua função análoga à dos brinquedos electrónicos, mas o ser humano não é pré-programado logicamente, e quando possui capacidade para operacionalizar mentalmente informação é já possuidor de estruturas cognitivas, que se vão desenvolvendo ao logo do tempo. Por esta razão faz mais sentido considerar a metacognição numa perspectiva desenvolvimental reconhecendo que o indivíduo pensa quando possui estruturas que lhe permitem pensar e se deseja pensar sobre o próprio pensamento, esse pensar será condicionado por essas estruturas. Desta forma, se determinados programas educacionais não forem aplicados em tempo adequado perder-se-ão, pois as condições naturais do indivíduo para aceder a esses programas serão modificadas e tornar-se-ão irreversíveis.

Reconhece-se, assim, que a problemática da metacognição existe nas vertentes individual e social. Se o objectivo da ciência em geral, e da psicologia em particular, é caminhar no sentido de construir um mundo melhor, o papel da metacognição interfere nessa construção exigindo um reconhecimento por parte do sistema social/governamental/educativo das características cognitivas e desenvolvimentais existentes em cada indivíduo e actuar no sentido de explorar essas características, visado formar cada ser humano mais autónomo, mais consciente e mais integrado numa sociedade mais justa e mais humana.

No entanto, são ainda colocadas muitas questões relativamente a metacognição, tais como: Serão as actividades metacognitivas similares aos processos cognitivos quanto ao modelo estrutural, ou representarão categorias separadas? Como pode um indivíduo reflectir sobre os seus próprios processos cognitivos? Poderá o conhecimento metacognitivo afectar as decisões comportamentais, nomeadamente as de forte impacto emocional? Serão os processos cognitivos iguais em todos os indivíduos? Como pode um indivíduo saber o que sabe, ou saber o que os outros sabem? Como tem acesso aos seus próprios pensamentos, sentimentos e atitudes? Que precisão existe nos pensamentos, sentimentos e atitudes próprias, e que precisão existe sobre os pensamentos, sentimentos e atitudes dos outros? Os processos que regem o auto-conhecimento serão iguais aos que regem o conhecimento dos outros?...

Embora hajam estruturas e processos cognitivos análogos em todos os indivíduos - somos seres humanos e não de outra espécie - cada um é fruto de um desenvolvimento particular que influencia a percepção de si próprio e dos outros. E como a estratégia de reconhecimento e desenvolvimento das capacidades metacognitivas consiste na experiência individual, inclusive através da repetição/treino, ainda que para muitas metas da vida essas capacidades sejam decisivas, para outras, talvez as mais importantes, toda a metacognição é dispensável: nenhuma mulher treina o nascimento de um filho.

Lopes (ano 2000)